30 de novembro de 2018

conflito de membros



- ora muito bom dia, mário andas desaparecido!
- bem haja, carlos. para o santa maria. 


tenho que me sentar. maldito analgésico, não era a dor de dentes que me tinha que tirar, o dentista é já amanhã. maldito analgésico não. maldito canto inferior direito da cama, move-se sempre sem que dê conta. não devia ter calçado estes ténis. como é que um dedo tão pequeno provoca tanto mal estar? tenho que me sentar. não há lugares vagos. ali no 12b, vou tentar.

- bom dia, pode ceder-me o lugar?
- não.
- desculpe insistir menina, mas dói-me muito o mindinho no pé direito. o analgésico curou a dor errada.
- não posso ajudá-lo. tenho uma cãibra quase crónica no gémeo esquerdo, só me dá paz quando me sento ou no 35 ou na linha vermelha. mas essa não me fica em caminho. 
- as melhoras.

cãibra quase crónica. um quase medicamento deve curar aquilo. 22c.

- bom dia pode ceder-me o lugar? o meu mindinho direito está-me a combalir.
- saio na próxima, tens que esperar. mas também te está combalir a vista?estás vesgo? olha bem para mim. não me falta nada? 
- hum..desculpa… a tua perna esquerda. 
- perdi-a ontem, no campo grande. foge-me sempre por ali, entre o campo grande e o campo pequeno. no outro dia, nem vais acreditar, dei por ela pendurada na estátua da rotunda de entrecampos. tive que chamar os bombeiros, nem com escadote,  a perna direita e dois braços lá chegava. sabes, a perna direita é pouco ágil, mas fiel, já a esquerda é um espírito livre, indomável. só no inverno fica por mais tempo, sabe-lhe bem a lareira.  e nem sabes o pior, acabei o resgate a ser intimidado por vandalismo. acusaram-me de ofensa aos heróis da guerra peninsular, dá para acreditar?Podes carregar no botão? Chegou a  minha paragem. ajudas-me a levantar? 
- claro. vais à procura dela? 
- sim, é indomável mas com ela sou mais completo. Se por acaso a encontrares, deixa-a nos perdidos e achados do campo grande. diz que é a perna do valter.
- espera, eu vou contigo. acho que estou a precisar de deixar o meu dedo passear. 


11 de janeiro de 2018

às voltas


às voltas que a vida nos dá eu chamo de prática da elasticidade humana.
àqueles cujo ginásio ou qualquer outra prática desportiva não conste no vocabulário,  talvez seja mais difícil a compreensão do conceito.


às voltas que a vida nos dá eu chamo de loop.
àqueles cuja a adrenalina de entrar numa montanha russa não seja uma ação a ter,  talvez seja difícil a compreensão da analogia.


às voltas que a vida nos dá eu chamo de sismos de amplitude variável.

A TERRA TREME e os comportamento a ter são:

- Proteger-se e Esperar

A TERRA PÁRA DE TREMER e os comportamentos a ter são:

- Avaliar e, só depois, Agir


no fundo trata-se,  não das voltas,  mas sim dos sismos que a vida nos dá.

15 de abril de 2017

por um triz

não procuro causas na tarologia, no horóscopo nem no mapa astral.  não te descobri nas mensagens encriptadas dos pacotes de açúcar, nem te tentei ler nas borras do café. nunca te desenhei, a minha relação com as páginas em branco sempre se limitou ao uso de palavras, mas agora percebo a esquizofrenia dos meus gatafunhos.
a imprevisibilidade supera qualquer misticismo e filosofias baratas e o para sempre continua a ser sempre por um triz.


19 de dezembro de 2016

dezembro

o último mês de cada ano é como o momento pré-parto generalizado a todos os géneros.
o frio chega, as contrações começam a agudizar-se progressivamente, muda a estação, excedem-se os gastos, as famílias reúnem-se no babyshower do dia 25, deixa-se de olhar para trás, deixa-se de olhar o presente, só se limpa o caminho e a consciência, afinal de contas, é o nascimento do ano, a comemoração mais unânime no planeta e a oportunidade utópica para se fazer diferente, para se ser diferente.
e, às 12 badaladas de todos os 31 de dezembro, concretizamos a fuga do baile que o ano anterior nos deu mas, para os mais distraídos fica a nota, de nada vale a pressa, cinderela que é cinderela, esquece-se sempre de um sapato lá atrás.


19 de novembro de 2016

salvo erro


há o erro por consentimento, a ação que, deliberadamente, decidimos ter e que, mesmo após auto-análise e algum tempo de preponderação, assumimo-lo como cERRtO, sabendo de antemão que, eventualmente, poderemos tropeçar.
há o erro por desconhecimento, em que estamos tão inebriados que não encontramos justificação alguma que nos alerte do possível perigo. avançamos convictos, até que, mais cedo ou mais tarde, levamos uma rasteira repentina, um atordoamento. 
e depois há o medo do erro,  esse não faz tropeçar, nem prega rasteiras, esse cria raízes e não permite avançar.