- ora muito bom dia, mário andas desaparecido!
- bem haja, carlos. para o santa maria.
tenho que me sentar. maldito analgésico, não era a dor de dentes que me tinha que tirar, o dentista é já amanhã. maldito analgésico não. maldito canto inferior direito da cama, move-se sempre sem que dê conta. não devia ter calçado estes ténis. como é que um dedo tão pequeno provoca tanto mal estar? tenho que me sentar. não há lugares vagos. ali no 12b, vou tentar.
- bom dia, pode ceder-me o lugar?
- não.
- desculpe insistir menina, mas dói-me muito o mindinho no pé direito. o analgésico curou a dor errada.
- não posso ajudá-lo. tenho uma cãibra quase crónica no gémeo esquerdo, só me dá paz quando me sento ou no 35 ou na linha vermelha. mas essa não me fica em caminho.
- as melhoras.
cãibra quase crónica. um quase medicamento deve curar aquilo. 22c.
- bom dia pode ceder-me o lugar? o meu mindinho direito está-me a combalir.
- saio na próxima, tens que esperar. mas também te está combalir a vista?estás vesgo? olha bem para mim. não me falta nada?
- hum..desculpa… a tua perna esquerda.
- perdi-a ontem, no campo grande. foge-me sempre por ali, entre o campo grande e o campo pequeno. no outro dia, nem vais acreditar, dei por ela pendurada na estátua da rotunda de entrecampos. tive que chamar os bombeiros, nem com escadote, a perna direita e dois braços lá chegava. sabes, a perna direita é pouco ágil, mas fiel, já a esquerda é um espírito livre, indomável. só no inverno fica por mais tempo, sabe-lhe bem a lareira. e nem sabes o pior, acabei o resgate a ser intimidado por vandalismo. acusaram-me de ofensa aos heróis da guerra peninsular, dá para acreditar?Podes carregar no botão? Chegou a minha paragem. ajudas-me a levantar?
- claro. vais à procura dela?
- sim, é indomável mas com ela sou mais completo. Se por acaso a encontrares, deixa-a nos perdidos e achados do campo grande. diz que é a perna do valter.
- espera, eu vou contigo. acho que estou a precisar de deixar o meu dedo passear.