5 de setembro de 2016

perda

I


a caneta fica sem tinta
e perde o seu propósito,
esgotou o número de letras disponíveis
ganha por isso um novo lugar
sai do estojo 
e passa à quase misericordiosa gaveta -
a guardiã dos bens não essenciais.
o último lugar digno de um objeto
sabemos que existe,
e onde está,
mas não o vês há demasiado tempo.

inconscientemente nutrimos de um certo afeto pelos bens materiais,
pelo menos afeto suficiente para tardar no adeus definitivo -
chamado caixote do lixo

perda temporária. - preparação para o adeus sem volta


 II


perdemos alguém pelo caminho -
chamado vida
ou esse alguém perdeu-se de tal modo dele mesmo,
que se afastou dos demais.
não importa,
caso queiras,
e agora ao longe,
continuas a vê-lo deambular
adormece atormentado
acorda entorpecido
ora cai
ora se levanta
há dias em que tropeça
tamanha a embriaguez,
estupidez

a miopia pode distorcer a visão,
principalmente se a distância se impõe
mas não te cega
não te impede de ver
fazendo assim da perda de alguém 
uma perda não absoluta