13 de maio de 2012

senhor valéry

é pequeno, tão pequeno que nem chega a incomodar. mas só o tamanho lhe permite a indiscrição. veste preto e usa chapéu. pensa demais e vive demasiado preocupado em achar os possíveis efeitos para cada causa. só há lado esquerdo, lado direito e o centro. se não é uma coisa é a outra com certeza, não há outra escolha. e quando o controlo lhe escapa, agravam-se as dúvidas, aumentam as questões e seguem-se as suposições. se há uma única verdade para infinitas mentiras, porque não é possível existirem tantas verdades quanto mentiras? ou até mesmo uma única mentira para inúmeras verdades? se usa um sapato preto no pé esquerdo e um sapato branco no pé direito e lhe dizem que estão trocados, passa a calçar o sapato preto no pé direito e o sapato branco no pé esquerdo. se ainda assim se atreverem a dizer-lhe que estão trocados, afirma serem loucos.
se os atletas terminassem a corrida todos em pontos diferentes, até poderiam vencer mas aprendiam a vencer sozinhos. vencer? porque quer valéry ser melhor do que os outros? perder? porque quer valéry ser pior do que os outros?
 a solução é o mundo ser um cubo, pois vertical ou horizontalmente seria sempre exactamente igual mas, como valéry não é um cubo, dorme sempre em pé (para não adormecer).


(inpired by: senhor valéry - gonçalo m. tavares)

12 de maio de 2012

b.s.

a tua música encheu e preencheu muitos dos meus devaneios. a tua música inspirou-me. a tua música já me acordou e, melhor que isso, já me fez adormecer. a tua música já me fez amar. a tua música já me acompanhou, quando mais ninguém teve esse privilégio. a tua música já me arrepiou. a tua música não a comparo a nada. a tua música deu-me azo a palavras novas e combinações inesperadas. a tua música é a tua música, sem espaço para mais. mas a tua partida...a tua partida não faz sentido. 
não pode fazer sentido.

5 de maio de 2012

com regresso previsto

sentei-me. e é sempre esta a sensação. mesmo com regresso previsto há o nervosismo que parece nascer do assento. 17h30. partes. e levas-me contigo. à hora certa, sem atrasos, sem falhas, salvo rara excepção. fico ainda mais inquieta e lembro-me do dia em que cheguei, para ficar. vejo a ponte, é sempre esta a primeira imagem que me surge aquando da memória da minha chegada. já não a vejo. deixei-te e, mesmo mesmo com regresso previsto, sinto sempre que a minha partida trará sempre arrependimento na ânsia de ter ficado algo por viver. a culpa é tua e dessa velocidade que dita a velocidade de ideias que me ocorrem, e quanto mais andas, mais me obrigas a ver e a absorver.

- bem, é hora de acalmar. 

ligo o ipod e nenhuma música se ajusta ao meu estado. opto por ignorar que a oiço. tento ler mas dou por mim a olhar pela janela e a divagar. surgem os se's, os porquê's, os quem sabe. 

- pára! não quero projectar, muito menos recordar. 

quando a autoridade quase atinge o meu cérebro a música parece aumentar o volume para o triplo. deixou de ser ignorada, sem autorização prévia. não mostro parte fraca. desligo o ipod. fecho o livro. tiro o som ao telemóvel. fecho os olhos. 

- sou mais forte do que tu. ouviste? mais forte.

de olhos fechados as letras começam a surgir. (que perseguição!) não as quero, agora não. fecho os olhos, agora com mais força ainda e penso em preto, preto, preto. (é isso o que quero ver)

- bolas! (surge o branco) tu sabes que sou anti-preto no branco. mas desde quando é que tens vontade própria?

desisto. agarro a mala. guardo o livro.abro o estojo. tiro a parker. fecho o estojo. agarro o caderno. fecho a mala e volto a pô-la no chão. pouso o caderno e a caneta no colo. olho lá para fora, como se fosse a última vez que o pudesse fazer. vou ao bolso. tiro o ipod. ligo o ipod. aleatória, música aleatória. abro o caderno. escrevo a data.

hoje é sobre ti que escrevo. 

- satisfeito?



- do you hate me?
- not yet.

2 de maio de 2012

sem ti





E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
Sem álamos,
Sem luas.

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.




eugénio de andrade
poesia
coração do dia
fundação eugénio de andrade
2000