27 de fevereiro de 2013

grande.


'Lembras-te quando eu queria uma bola de basquet e tu as barbies e purpurinas? Lembras-te quando partiste a porta enquanto discutíamos? Lembras-te de chorarmos juntas? E de chorarmos por culpa uma da outra,lembras? Eu lembro! Lembras-te quando a mesa de vidro, no centro da nossa sala, se partiu em pedaços e eu estava entre os cacos? Lembras-te de reza querermos prolongar as férias? e da aquela fatalidade no dia seguinte? Lembras-te de partires a perna? Lembras-te de te chamar à razão e me ignorares? Lembras-te das fases críticas da nossa adolescência? Lembras-te de eu te assaltar o guarda-roupa? Lembras-te de não gostar dos teus namorados? Lembras-te das nossas diferenças? E das parecenças? 
Lembras-te que eu gosto de ti? 
Acho que não te podia gostar de maneira melhor, gosto de ti exactamente como és, e tudo aquilo que me dás tem sabor especial à parte do que navega dentro de ti. Se te lembras, nunca te esqueças!'
parabéns,mana! 


13 de fevereiro de 2013

guerra dos sentidos


- o jantar está na mesa. - grita uma voz ao fundo do corredor.
o ouvido é o impulsionador da corrida até à cozinha onde a meio do percurso, se junta o olfato, que deu sinal de alerta pelo aroma pouco usual que pairava no ar. a fome continuou a falar mais alto e o passo acelerou.
o meu lugar de sempre e um prato novo. um prato que fez com que o meu olhar instantaneamente se desviasse - arroz de cabidela. a galinha que vi ser morta à tarde pela minha avó foi aproveitada minuciosamente. arroz envolto num molho escuro, o sangue da galinha que agora ali está desfeita em mil pedaços e com o seu sangue, que em tempos lhe deu vida, a regar cada pedaço seu.
um prato sem vida, sem côr, um prato que retrata o expoente máximo de insensibilidade humana. merda! viraram o bicho do avesso, transformaram-no… desfiguraram-no… estriparam-no. como esperam que queira comer isto? como ousam sequer comer isto?
o garfo e a faca parecem pesar dez vezes mais do que o habitual… a esforço levanto-os da mesa. o garfo que vai ao prato, o garfo que vai à boca. as papilas gustativas que tentam, de imediato, expulsar o pedaço de comida (comida?) que lá entrou. não distingo o sabor do arroz, muito menos os pedaços da galinha. isto sim, tem um gosto estranho! não o posso colocar em nenhuma das minhas gavetas gastronómicas: nem doce, nem salgado, nem amargo, nem azedo. mas…já sei ao que sabe! sabe a sangue (se bem que tem um travo de vinagre). sangue? quem teve a imbecil ideia de sugerir o sangue como um sabor a provar? um canibal?! engulo a esforço, resistindo a custo ao vómito e procuro a água. o copo está vazio, procuro a garrafa. nem tempo tive para encher o copo. bebo tanto quanto posso.
parvoíce a minha em ter experimentado tamanha imundice, quando todos os meus sentidos me indicavam o contrário: cheiro, o aspeto, a textura, o som da morte da galinha. porque quis eu provar? já devia saber que a maioria ganha sempre, o paladar devida ter prescindido a prova. maldita curiosidade.
a garrafa de água termina. como uma fatia de pão, e o prato permanece intocado. deviam ter feito o mesmo com a galinha.

o peso do passado.



as luzes apagaram. é mais um dia que chega ao fim, envolto num abraço.
- boa noite, amanhã um novo dia chega.
- mas, se o dia chegou ao fim, porque é que o peso dos dias passados me incomoda? se chegou ao fim não deveria voltar à corrida e, se decide voltar, é porque a teimosia lhe assiste… ou se calhar volta porque não conseguiu atingir o pódio e o protagonismo desejado e aí sim, para além da teimosia, também lhe gabo a persistência. enfim…é um jogo desequilibrado.

- desequilibrada pareces tu quando dizes esses disparates. são memórias que vêm de mão dadas com o peso de tudo aquilo que te define hoje. e, se o dia de hoje te pesar demasiado amanhã, culpa tua! porque ao que parece só te sentes pesada quando a memória de mãos dadas apenas com coisas que te desagradam. caso não assim fosse, amanhã ao acordares eu passaria a ser um perfeito desconhecido para ti.

- não posso contestar o que dizes. eu e esta estúpida tendência a pôr tudo no mesmo saco, achando que descomplica. na verdade o que sinto é só excesso de peso. o peso dos dias, o peso das horas, o peso de todas as pessoas de todos dias.mas sabes que mais!? amanhã começo a dieta.
um beijo e o abraço surgem em demonstração de concordância. as luzes permanecem apagadas e os olhos juntam-se agora a elas. 


11 de fevereiro de 2013

se não arriscares nada, estás a arriscar muito mais



pensemos na vida como uma melodia. o homem não pode ter uma melodia exata mas quem o queira e tente, rapidamente se aperceberá da monotonia de tamanha exatidão e do vasto mundo que está a perder. o homem é feito de canções, de mudanças bruscas de grupo musical ou, para os mais conformados, de uma grande panóplia de possibilidades dentro de um mesmo estilo.
sou uma jukebox. em dias de sol o jazz e as vozes femininas movem-me, já nos dias de chuva rendo-me ao indie. em dias de festa sou música popular e até mesmo um pouco de pop. agora, se me pedissem para me render a uma única e repetida melodia, o pedido seria negado. fechar horizontes equivale a uma cegueira consciente e voluntária. fechar horizontes indica a perda de tudo o que nos negamos a ver, ser, ouvir e sentir. fechar horizontes traz perdas incontornáveis aleadas à ignorância.
voltando à música, aliás, voltando ao homem, vão sempre existir músicas que, por muita persistência que tenhamos, não entrarão no ouvido, muito menos serão do nosso agrado, mas só o saberemos se conhecermos, se estivermos dispostos a conhecer e a educar o nosso ouvido. a isso chama-se arriscar, percorrer caminhos novos, sejam eles de terra batida ou de calçada portuguesa. sejam eles estradas longas e retas ou uma subida íngreme, seguida de curvas e contracurvas. para a frente é o caminho, a estagnação traz inércia, e a inércia traz o risco de nos perdermos de nós mesmos.
o homem que arrisca segue instintos, intuições, muda a cor do cabelo e sabe remediar. o homem que arrisca é a música que improvisa no contratempo. o homem que não arrisca é o conformado, que perde o que se nega a conhecer, que vive no seu mundo aleando-se dos outros e afastando-se dos demais. o homem que não arrisca é a música não curiosa com um simples ritmo que não passa de um compasso de quatro tempos.
é uma balança claramente descompensada a da música ditada pelo risco. 
sejam bravos e dancem!