- o jantar está na mesa. - grita uma voz ao
fundo do corredor.
o ouvido é o impulsionador da corrida até à
cozinha onde a meio do percurso, se junta o olfato, que deu sinal de alerta
pelo aroma pouco usual que pairava no ar. a fome continuou a falar mais alto e
o passo acelerou.
o meu lugar de sempre e um prato novo. um
prato que fez com que o meu olhar instantaneamente se desviasse - arroz de
cabidela. a galinha que vi ser morta à tarde pela minha avó foi aproveitada
minuciosamente. arroz envolto num molho escuro, o sangue da galinha que agora
ali está desfeita em mil pedaços e com o seu sangue, que em tempos lhe deu
vida, a regar cada pedaço seu.
um prato sem vida, sem côr, um prato que
retrata o expoente máximo de insensibilidade humana. merda! viraram o bicho do
avesso, transformaram-no… desfiguraram-no… estriparam-no. como esperam que
queira comer isto? como ousam sequer comer isto?
o garfo e a faca parecem pesar dez vezes mais
do que o habitual… a esforço levanto-os da mesa. o garfo que vai ao prato, o
garfo que vai à boca. as papilas gustativas que tentam, de imediato, expulsar o
pedaço de comida (comida?) que lá entrou. não distingo o sabor do arroz, muito
menos os pedaços da galinha. isto sim, tem um gosto estranho! não o posso
colocar em nenhuma das minhas gavetas gastronómicas: nem doce, nem salgado, nem
amargo, nem azedo. mas…já sei ao que sabe! sabe a sangue (se bem que tem um
travo de vinagre). sangue? quem teve a imbecil ideia de sugerir o sangue como
um sabor a provar? um canibal?! engulo a esforço, resistindo a custo ao vómito
e procuro a água. o copo está vazio, procuro a garrafa. nem tempo tive para
encher o copo. bebo tanto quanto posso.
a garrafa de água termina. como uma fatia de
pão, e o prato permanece intocado. deviam ter feito o mesmo com a galinha.
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