13 de fevereiro de 2013

guerra dos sentidos


- o jantar está na mesa. - grita uma voz ao fundo do corredor.
o ouvido é o impulsionador da corrida até à cozinha onde a meio do percurso, se junta o olfato, que deu sinal de alerta pelo aroma pouco usual que pairava no ar. a fome continuou a falar mais alto e o passo acelerou.
o meu lugar de sempre e um prato novo. um prato que fez com que o meu olhar instantaneamente se desviasse - arroz de cabidela. a galinha que vi ser morta à tarde pela minha avó foi aproveitada minuciosamente. arroz envolto num molho escuro, o sangue da galinha que agora ali está desfeita em mil pedaços e com o seu sangue, que em tempos lhe deu vida, a regar cada pedaço seu.
um prato sem vida, sem côr, um prato que retrata o expoente máximo de insensibilidade humana. merda! viraram o bicho do avesso, transformaram-no… desfiguraram-no… estriparam-no. como esperam que queira comer isto? como ousam sequer comer isto?
o garfo e a faca parecem pesar dez vezes mais do que o habitual… a esforço levanto-os da mesa. o garfo que vai ao prato, o garfo que vai à boca. as papilas gustativas que tentam, de imediato, expulsar o pedaço de comida (comida?) que lá entrou. não distingo o sabor do arroz, muito menos os pedaços da galinha. isto sim, tem um gosto estranho! não o posso colocar em nenhuma das minhas gavetas gastronómicas: nem doce, nem salgado, nem amargo, nem azedo. mas…já sei ao que sabe! sabe a sangue (se bem que tem um travo de vinagre). sangue? quem teve a imbecil ideia de sugerir o sangue como um sabor a provar? um canibal?! engulo a esforço, resistindo a custo ao vómito e procuro a água. o copo está vazio, procuro a garrafa. nem tempo tive para encher o copo. bebo tanto quanto posso.
parvoíce a minha em ter experimentado tamanha imundice, quando todos os meus sentidos me indicavam o contrário: cheiro, o aspeto, a textura, o som da morte da galinha. porque quis eu provar? já devia saber que a maioria ganha sempre, o paladar devida ter prescindido a prova. maldita curiosidade.
a garrafa de água termina. como uma fatia de pão, e o prato permanece intocado. deviam ter feito o mesmo com a galinha.

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