22 de março de 2014

mão direita

os dedos trémulos pousados sobre o teclado, o cursor a viajar sobre o botão ENVIAR… o tremor era tanto que levava o cursor insistentemente a desviar-se, sempre antes do click ser feito. a incapacidade fazia-o sentir-se inútil, mas nunca menos teimoso, mas nunca menos orgulhoso, mas nunca menos persistente.
ofereci ajuda, mesmo sabendo que o ‘não, obrigado’ seria garantido. meu dito, meu feito - limitei-me a assistir.
enquanto não completava a missão e tentava transmitir ao sistema nervoso central que, a bem ou a mal, hoje ou amanhã, aquele email seria enviado, aproveitava para reler e refazer uma ou outra frase cujas palavras não ficaram bem escritas e onde o sentido se perdera.
 voltei a aproximar-me, dei-lhe um beijinho carinhoso e convenci-o a deixar-me ajudá-lo. finalmente cedeu:

Querida neta,
Sinto muito a tua falta… na verdade, sinto tanto a tua falta quanto a falta que sinto da minha mão direita. Já sei que te ris neste momento mas, pensando bem, é uma comparação legítima.
A minha mão continua aqui, agregada ao meu antebraço, contudo, tem vindo a ganhar autonomia, como se fosse um apêndice do meu corpo sobre o qual não tenho controlo. Oscilações constantes, movimentos inesperados e completamente despropositados.
Já tu, continuas aqui, no meu coração, no entanto, estás aí, do outro lado do atlântico, sozinha, balançante e, acima de tudo, longe, longe de mim, tão longe que a distância chega a doer, moer, incomodar.
Tenho saudades, tenho muitas saudades tuas. Assim como tenho saudades da minha mão, mas essa, essa eu sei que ganhou autonomia tal que jamais me voltará a agradar. Já tu, minha pequena, tu enches-me tanto de saudades quanto de orgulho, e por mais que te queira próxima de mim, nestes meus dias tão longos, não o permitiria. Estás a construir uma base sólida, com estruturas firmes, diria até que inquebráveis. E esses alicerces serão cruciais no teu futuro. Por isso, embora veja a minha mão todos os dias, nela não deposito qualquer confiança, já em ti, que não te vejo há meses, tenho toda a confiança do mundo certo que continuarás assim, decidida, lutadora.
Escrevo-te para te agradecer a insistência em me fazeres tolerar estas novas tecnologias, como vês, consegui fazê-lo – o email está escrito - uma pequena vitória para mim, uma grande derrota para o Parkinson.

Fica um beijinho do teu avô e a boa notícia é que a tua visita está para breve!


Até já



"Os dedos trémulos pousados sobre o teclado, o cursor a viajar sobre o botão ENVIAR...”
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